Aí, eu chorei com saudades da Guanabara; da lagoa de águas claras fui tomada de compaixão. Compasto em 1989 pela trinca Moacyr Luz, Paulo César Pinheiro e Aldir Blanc (1946-2020), Saudades da Guanabara, eternizada na voz de Beth Carvalho (1946-2019), percorre belas paisagens e visita as mazelas da Cidade Maravilhosa, sugerindo que “São Sebastião do Rio de Janeiro ainda pode se salvar”. Pois adas três décadas do lançamento da canção, o cenário na historicamente castigada Baía de Guanabara da gás a certo otimismo, ainda que cauteloso.

Oceanógrafos, biólogos, professores e atletas que têm Oceanógrafos. a área, normalmente lembrada por seus elevados índices de poluição, como objeto de estudo ou de mergulho concordam. “A enseada é heterogênea e experimenta hoje uma curva ascendente de qualidade ambiental”, afirma Paulo Cesar Rosman, professor de engenharia oceânica da Coppe/UFRJ. A boa maré é fruto da melhoria do saneamento naquelas imediações. “Existem áreas mais vulneráveis e outras menos criticas. Neste momento, estamos acompanhando um avanço lento e gradual”, explica.
A reportagem de VEJA RIO atestou na pele, literalmente, o que vêm dizendo os especialistas. Há pouco menos de uma década, uma equipe mergulhou no trecho em frente ao Bar Urca. Era véspera da Olimpíada Rio 2016, e a cena era desoladora. Lodo, lama, matéria orgânica em estado de putrefação – tudo isso, junto e misturado, tornou o “tchibum” uma experiência inesquecível, no mau sentido.

Atualmente, nesse exato ponto, a baía, mesmo longe do ideal, é outra. Em uma visita no fim de maio, boiavam sobre as águas – à primeira vista, límpidas tampinhas de garrafa PET, potes de margarina, embalagens plásticas e até um chinelo. Mas o que fisgava a atenção era o tom cintilante do mar, além da superlotação de banhistas num dia de semana com ares de domingo.

O entusiasmo tem seu fundamento. No ano ado, a Praia da Urca esteve própria para banho em 74% dos boletins divulgados pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea) um contraste em relação a dez anos antes, quando aquela faixa de areia registrou bandeira verde em apenas 27% das medições. “Se as Olimpíadas fossem hoje, os atletas encontrariam uma água mais limpa, sem riscos à saúde”, garante Bernardo Rossi, secretário estadual do Ambiente e Sustentabilidade.

A aprovação do Marco Legal do Saneamento Básico, em 2020, deu relevante empurrão às iniciativas ao redor do espelho d’água de 412 quilômetros quadrados, banhado por 55 córregos e rios. Logo após o leilão da Cedae, a Aguas do Rio investiu 4,8 bilhões de reais no plano de recuperação das estações de tratamento, trocando tubulações e implantando coletores de tempo seco, o que impediu que o esgoto in natura escoasse no mar.

A limpeza do interceptor oceânico (túnel de 9 quilômetros de extensão que destina parte dos dejetos da Zona Sul ao emissário de Ipanema) permitiu que, em nove meses, 3000 toneladas de detritos deixassem de ser despejados na baía. Soma-se a isso o desvio do curso do Rio Carioca para a galeria subterrânea, e eis que a Praia do Flamengo ficou própria para banho em 83% dos dias do ano de 2024, ante os 22% de 2014. “Com a finalização do cinturão de 500 quilômetros para drenar esgoto e o término das obras do Rio Iguaçu, esses resultados serão ainda mais comuns”, promete Anselmo Leal, presidente da Águas do Rio, que prevê investimento de 40 bilhões de reais na enseada até 2035.

A briga de grandes cidades mundo afora para sanear águas em torno das quais a vida urbana se desenrola é cada vez mais frequente. Um bom exemplo é Paris, que, sob a moldura da Olimpíada que abrigou no ano ado, desembolsou o equivalente a quase 10 bilhões de reais para despoluir o Rio Sena, vetado para banho havia um século. Durante os Jogos, pairava o tempo todo o suspense: será que os atletas do triatlo e da maratona aquática poderiam de fato se aventurar por lá? Mesmo com a construção de uma espécie de piscinão para reter a fúria das chuvas, a expansão de estações de tratamento de esgoto e a instalação de barreiras de retenção de lixo, houve adiamentos em série. Enquanto alguns atletas festejaram suas medalhas, outros foram hospitalizados, sob suspeita de contaminação no rio que ajuda a contar a história da cidade. E a saga do Sena segue: a partir de 5 de julho, a promessa é de que parisienses e turistas poderão imergir em certos pontos, como o que fica em frente à bela Île Saint-Louis. “A solução implantada em Paris é exatamente a que estamos fazendo. Além de moderna, oferece a melhor performance ambiental do mundo”, garante Anselmo Leal.

Ouvido pela reportagem de VEJA RIO há uma década, o oceanógrafo David Zee, professor da Uerj, enfatiza que o caminho ainda por percorrer é longo. “A entrada da iniciativa privada foi bem-vinda, mas é propaganda enganosa dizer que tudo vai se resolver em alguns meses”, avalia ele, ressaltando o gargalo crônico dos rios Sarapuí, Magé e Guapimirim, que desaguam na baía. “Quando chove, as áreas assoreadas dificultam o escoamento da água, e as inundações tendem a aumentar”, alerta. As margens nem tão plácidas assim da Baía de Guanabara se espalha uma malha urbana de 10 milhões de pessoas produzindo 1,2 bilhão de litros de esgoto por dia.

O tratamento dos dejetos vindos da Baixada Fluminense, Ilha do Governador e São Gonçalo é fonte de dor de cabeça para a Águas do Rio. “A baía é resiliente, a água se renova rapidamente com a mudança das marés, mas a chegada de lixo é maior que a capacidade de depurá-lo. A gente não consegue mudar o cenário se o saneamento for privilégio de quem tem dinheiro”, pondera o titular da Águas do Rio.

Matéria: Carolina Ribeiro – Veja Rio (30/05/2025)

Foto: Veja Rio / Ricardo Gomes – Instituto Mar Urbano