Por Luiz Araújo

Brasília, 13/06/2025 – A publicação da Medida Provisória (MP) que altera as alíquotas aplicadas às debêntures incentivadas para compensar a redução do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) acendeu um alerta em diferentes segmentos de infraestrutura. Entidades que representam setores como rodovias, ferrovias, saneamento e telecomunicações apontam preocupação com o impacto da medida sobre a capacidade de financiamento de projetos, especialmente nos leilões previstos para os próximos meses.

Em 2024, o mercado registrou captação recorde de R$ 120,3 bilhões em debêntures incentivadas, com destaque para os setores de energia elétrica (39,4%), transportes e logística (23,5%) e saneamento (10,1%). Com o novo cenário, associações preveem uma reconfiguração na estruturação financeira dos projetos e redução do apetite dos investidores.

Entre os primeiros efeitos já observados está a necessidade de reavaliação de projetos em andamento. “As empresas receberam mal”, afirma o presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), Marco Aurélio Barcelos. Segundo ele, a medida pode reduzir a atratividade de dezenas de leilões de concessões programados para este e o próximo ano. “A expectativa é de leilões menos competitivos, com menos descontos, o que significa tarifas potencialmente mais elevadas.”

Para o presidente da ABCR, a aposta do Executivo em aumentar a arrecadação a partir de mudanças na política de debêntures é frágil. “Quem garante que continuará havendo o mesmo volume de emissões?”, questiona. “Pode haver queda na captação e essa expectativa de receita adicional nem se concretizar.”

O setor ferroviário também projeta impactos expressivos. O diretor-presidente da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), Davi Barreto, considera que o aumento da carga tributária vai na contramão da política de estímulo ao investimento privado. “Já temos programados R$ 55 bilhões em investimentos nos contratos atuais e há um plano federal de R$ 100 bilhões para expansão da malha. Tudo isso depende de financiamento.”

Barreto afirma que ainda não é possível estimar o tamanho do impacto, mas diz que “certamente será significativo”. Em 2024, 98% dos investimentos no setor ferroviário foram privados. “Desde os anos 1990, foram R$ 200 bilhões em investimentos privados e apenas R$ 20 bilhões públicos. Comprometer essa dinâmica significa prejudicar a agenda de competitividade e sustentabilidade do País.”

Contrassenso

Em nota, a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib) se disse surpresa com a medida. “O mercado de capitais tem sido uma das molas propulsoras da expansão dos investimentos privados, mais importante, inclusive, do que o fomento vindo dos bancos públicos”, afirmou a entidade, que classificou a MP como mais um “contrassenso recorrente” por parte do governo federal.

Os ministérios dos diferentes setores de infraestrutura apostam na ampliação do papel da iniciativa privada para manter o fluxo de investimentos nos próximos anos. Dos R$ 1,7 trilhão estimados para as obras do Novo PAC, a menor fatia é a da União. São R$ 371 bilhões do Orçamento Geral da União (OGU), R$ 343 bilhões de empresas estatais, R$ 362 bilhões via financiamentos reembolsáveis e R$ 612 bilhões do setor privado.

A Abcon Sindcon, entidade que representa as concessionárias privadas de água e esgoto, prevê impacto na corrida pela universalização dos serviços. “É um enorme balde de água fria no setor, justamente quando tínhamos uma expectativa de que as debêntures incentivadas pudessem alavancar novos investimentos”, afirma a diretora-executiva da Abcon Sindcon, Christianne Dias.

Na área de telecomunicações, o setor também demonstra preocupação. O presidente-executivo da Conexis Brasil Digital, Marcos Ferrari, diz que as debêntures permitiram uma estrutura de dívida mais saudável para projetos de expansão. “Estamos em plena implementação do 5G, com o desafio de levar a tecnologia a todos os municípios do País até 2030. Qualquer medida que tribute investimentos é ruim, e isso afeta diretamente a nossa capacidade de cumprir esse cronograma.”

Ferrari detalha que o setor opera com margens reduzidas e que o retorno dos projetos é abaixo do custo de capital da economia. “O desafio é sempre encontrar uma estrutura de dívida que mantenha o retorno esperado à época dos leilões de frequências”, disse. O representante diz ainda que outras mudanças previstas na MP, como o aumento do imposto de renda incidente em Juros sobre Capital Próprio (J), também afetam diretamente o setor de telecomunicações.

Fonte: BROADCAST